Há muito tempo que quero voltar a escrever. Tenho o blog parado há anos, nem sei bem quantos, nem sei porque parei.
Quando escrevo paro, escuto-me, pergunto-me sobre os assuntos que a cada momento sinto com maior intensidade. Nem sempre tenho respostas - quase nunca aliás. Mas ainda assim sei que se só será possível encontrar respostas se as procurar…
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Hoje estou de volta ao hospital, num quarto diferente, desta vez de uma cama só. A mesma cadeira, o mesmo sofá (onde escrevo), enquanto a minha Mãe foi comer o que a cafeteria tinha disponível - hoje, domingo, o restaurante está fechado, mas mesmo que estivesse aberto não sei se a minha Mãe teria apetite ou paciência para esperar por um prato e saboreá-lo; nestes dias, infelizmente, só precisamos de nos alimentar, não pensamos em saborear a Vida.
Acabou de voltar ao quarto - parece que comeu uma sanduíche de salmão, seguindo a sugestão que tinha provado meia hora antes. Há sempre frases longas, descritivas, para enriquecer as paisagens gastronómicas, mesmo nestes dias. O salmão era fresco e bastante, o pão de sementes era crocante mas duro, dando assim mais valor à sanduíche que já era a última.
(parei: chegou o Luís, o meu Padrinho, que num abraço curto e com poucas palavras no prepara para um abraço mais longo que não tarda…)
Olho de novo para a cama… parece vazia, tão pequeno é o homem que ali se esconde. Não fossem os gemidos e a respiração ruidosa que à força e com esforço ativa o diafragma, poderia fingir que apenas os lençóis ali estavam. O homem que quase sempre vi erguido, orgulhoso, por vezes até austero, mal se equilibra, deitado entre o sono e a sonolência, incomodado pela fraqueza que se tornou demasiado forte.
Porquê?, é a pergunta que mais ecoa em mim!… Porque é que tudo não acabou antes, num qualquer sonho generoso que nos leva enquanto sorrimos? Porque é que o meu Pai tem de passar por esta tormenta sem retorno, esta luta sem vencedor, este infinito passar do tempo que de tão lento parece que não passa…
Não consigo sonhar com melhoras, novos episódios de qualquer tipo. Só consigo imaginar mais horas e dias do mesmo sofrimento ofegante, contagioso, cansado e cansativo. Já não o consigo imaginar de novo em casa, sentado no sofá de há tantos anos, encrostado em cinco almofadas que, com o aquele corpo franzino, fazem o puzzle que diariamente montou. Mal tem forças para pegar no copo de água, espessada para não se engasgar, vai lá ter forças para viver numa casa em que a distância entre o sofá e a casa de banho gera um cansaço digno dos mais valentes atletas olímpicos…
Sinto que resta esperar, aguardar o telefonema ou, com sorte, a mão dada, sempre fria, que se despede primeiro da força e depois da da Vida. Só peço que a despedida seja serena, sem dor, e que não demore se nada mais houver para contar.