sexta-feira, 3 de outubro de 2014

October


October
And the trees are stripped bare
Of all they wear
What do I care

October
And kingdoms rise
And kingdoms fall
But you go on

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Manos


Sei que parece apenas um abraço, momentâneo e provocado. Mas a beleza é que surgiu, espontânea e naturalmente, entre lutas e correrias, quando pedi para se colocarem lado a lado para uma fotografia (em contra luz). O abraço surgiu, e ficou.

No jogo dos dias, com o João a procurar de forma crescente um lugar dominante e o Henrique a pedir atenção e a demonstrar a sua enorme vontade de ser o centro do mundo - principalmente perto do irmão - foi numa praia ventosa que resolveram, cúmplices, fazer uma caçada às gaivotas que pareciam habituadas a loucas aterragens com ventos cruzados. Com um "inimigo" comum, deixou de fazer sentido gladiarem-se mutuamente.

A verdade é que, com o passar do tempo, a cumplicidade tem vindo a aumentar, a tornar-se mais palpável, mais visível, embora não livre de zangas e confrontos. Mas há mais brincadeiras conjuntas, mais momentos partilhados, maior partilha de espaço (partilha de objectos ainda não é fácil, principalmente com o Stitch que o Henrique tanto cobiça...).

Com tempo e sorte, espero que sejam amigos, os melhores amigos, e que surjam abraços de saudades, de amizade, de respeito e de carinho, para os momentos que, tantas vezes, só partilhados sabem a Vida. Hoje guardei este único abraço, mas espero ver e guardar muitos mais.

Pai.

quarta-feira, 19 de março de 2014

O beijo que hoje não te dei...

Avo Isilda
Acordei como em tantos outros dias, apressado para sair de casa mas cansado de uma noite mal dormida. Mas o dia de hoje prometia ser especial - era o Dia do Pai.

Tinha planeado levar o João e o Henrique à escola, seguir com o portátil para um café e trabalhar duas horas, ir assistir ao teatro do Henrique e, se sobrasse tempo, iria visitar a minha Avó ao lar antes do almoço.

Foi sempre assim... se sobrasse tempo... e poucas vezes sobrou - entre trabalho e casa e umas constipações das crianças que procurei não levar para o lar, o tempo ia passando e nem sempre vi a minha Avó as vezes que eu queria e as muitas mais que ela merecia.

Entrei na escola com o João e deixei-o voar para a sala de aula. E, do nada, sem aviso prévio, quando estava a entrar na escola do Henrique, o meu telemóvel tocou, a uma hora a que a minha Mãe nunca ligara anteriormente. Apenas quando atendi, ao ouvir uma voz soluçante e fragmentada, senti o anúncio do fim do dia (e era ainda tão cedo...). A minha Avó, que iria ver horas mais tarde, tinha partido há minutos, numa viagem com rumo incerto para quem não conhece o que existe depois da Vida.

Não falei com a minha Mãe mais do que 20 segundos - nenhum de nós conseguia falar. Atordoado, fiquei mais uns minutos com o Henrique para não lhe estragar o tão esperado Dia do Pai. Procurei - ainda que sem sucesso - esconder a frustração e a angústia de estar tão longe da minha Avó neste último momento, nesta partida. (No meio da natural excitação, estou certo que o Henrique nada notou...)

Acabei por sair e rumei ao lar, onde encontrei a minha Mãe no quarto em frente ao da minha Avó. Sem pensarmos, sem palavras, rompemos os muros da discórdia e corremos num abraço mútuo, forte, triste mas tranquilizador, salpicado da dor e da saudade acabadas de chegar. Chorei, com saudades da Avó que tive e que até há pouco tivera, com saudades da Avó que mesmo depois de tanto envelhecer me acompanhou, de mão dada, com tanto carinho que nada mais precisaria fazer para eu a adorar o resto da minha vida.

Chorei, com a cara curvada pela dor de não ter chegado mais cedo, de não ter encontrado tempo para além das sobras, de não ter dedicado mais a quem tanto se dedicou. Senti, numa despedida forçada - ou melhor, numa despedida não realizada e que jamais poderei concretizar - a distância do infinito entre os dois quartos que moravam frente-a-frente no corredor. Por entre a porta quase fechada vi, sobre a cama da minha Avó, um corpo tapado por um lençol, revelando formas que só por sorte se adivinhariam humanas. Pensei entrar - queria entrar -, e despedir-me da minha Avó com um beijo lento, tão longo quanto conseguisse, para lhe mostrar a adoração e respeito que sempre lhe tivera. Tentei, mas não consegui!... Sob o medo de ver uma imagem distorcida da que queria guardar e o de sentir ao toque uma pele arrefecida, paralizei no corredor e não consegui entrar...

As senhoras do lar disseram que a minha Avó estava serena, tranquila, entre a lentidão de quem gostava de se levantar tarde e a imagem apaziguada de quem está, de mão juntas ao peito, a rezar a Deus. Contaram que entre três passagens matinais pela porta do quarto, nada indicava desconforto ou agonia, apenas calma e sossego. (Espero que, na solidão da despedida, este seja um retrato fiel dos últimos momentos da minha Avó e que, por fim, tenha encontrado o Deus a quem tanto rezava.).

(...)

Neste dia marcante, os presentes que os meus filhos preparam com tanto carinho e me entregaram com tanto orgulho e ternura, trouxeram-me dois segundos de paz, de conforto, de certeza. Os outros segundos, longos, tantos, deixaram-me confuso, triste, incrédulo do roubo que sofri sem sequer ter tempo para me tentar defender.

Não fui capaz de entrar no quarto, de te ver, de te beijar, de te visitar como tinha planeado e te contar as mais recentes aventuras e piratarias do João e do Henrique. Mas sabes - sempre soubeste! - que quando te dava a mão e te fazia festas na pele - tantas vezes em silêncio - te estava a beijar lentamente, longamente, respeitando o tempo infinito que a partir de hoje é teu!