segunda-feira, 16 de julho de 2007

Contigo...

Faz hoje um ano que saí de manhã, e trouxe para casa um presente que andava a crescer dentro de mim, tal como o João já crescia dentro de ti. Esperei até de noite. Embrulhei o meu presente num anél de ouro branco e, minutos antes do dia findar, pedi-te em casamento - abracei-te, choraste, disseste "sim". Ficámos acordados a escolher a data da celebração, a esboçar a lista dos convidados do casamento e a festejar mais uma confirmação que estávamos apaixonados.

Mês e meio depois, com o corpo a denunciar os primeiros sinais nos finos e justos vestidos de Verão, assinámos - em Albufeira - o sonho de sermos eternamente felizes, numa jura pública que vivi de forma tão íntima, tão intensa que ainda hoje sorrio (para sempre o farei!) ao recordar a tua cara de menina, envergonhada, ao denunciares no meu nome a tua eleição para a Vida. Ao final da tarde, na "Cebola Vermelha", fiquei a olhar para ti, vestida de Deusa, e sonhei com o nosso filho.

Deixámos voar quinze dias e marcámos na Ulgueira, de uma forma assumidamente nossa, a celebração simultânea do nosso casamento e, ainda mais importante, da minúscula vida que projectámos construir. Bebemos, comemos, dançámos, cantámos, dançámos mais um pouco, rodeados de todos aqueles com quem partilhamos a nossa vida, os nossos dias, as nossas ideias e projectos. Ouvimos os nossos amigos tocar e cantar para nós, provámos os bolos feitos a pedido, voltámos a dançar em roda-viva, tudo no nosso terreno, na nossa casa, no espaço que cada vez mais nos prende e seduz. Cantei para ti, celebrando a sorte de as nossas vidas nos terem juntado quando já estávamos preparados para nos conhecer (e celebro esta mesma sorte todos os dias!).

A seu tempo rumámos ao Norte, procurando, num lugar não muito longínquo, o retiro necessário de todos os preparativos e emoções recentes. Numa curta e relaxante semana, conhecemos alguns lugares especiais, banhados pelo Douro, longe do mundo. O João, cada vez maior, afirmou a sua presença como se estivesse a ser carregado ao colo, pesando sobre a mãe os primeiros sinais da missão que te (nos) esperava. Os dias foram passando e fomos sendo magnetizados para a paternidade e maternidade, sempre de forma apaixonada mas também receosa, curiosa e ansiosa.

(...)

O João, para facilitar o vindouro trabalho de parto, reduziu o ritmo de crescimento (presente envenedado de aniversário), obrigando-te a ficar de repouso absoluto, em casa, sózinha. De noite contavas-me o teu dia - eu lia nos teus olhos o receio pela saúde do João contrastado com a imensa vontade de sair de casa, de fazer a vida normal ao invés de viver encrustada ao sofá ou à cama. E foram trinta os dias de repouso forçado, violentamente pesados e inertes, assustadoramente longos, na incerteza se suficientemente benéficos para o João. Pela primeira vez não estava tudo bem, não estavamos despreocupados, relaxados. Pela primeira vez alguém estava muito acima de nós.

(...)

De manhã passeámos junto ao rio, fazendo horas para voltar à maternidade e verificar os sinais de parto. Em cada dez passos paravas meio minuto para recuparar o fôlego, como se estivesses a descansar entre maratonas - ainda me lembro de te tentar ajudar e de pedires para me afastar, para te deixar respirar. De malas no carro, estavamos prontos para começar, não sabendo bem o quê...

«Já tem um dedo de dilatação e colo [do útero] apagado». Neste jargão clínico soubemos que já não íamos voltar a casa nesse dia, que íamos ficar ali mesmo, à espera de ver o nosso filho chegar. As dúvidas voltaram, os medos acordaram da hibernação invernosa envoltos numa estranha felicidade de querer conhecer o nosso filho, o pequeno ser invisível com quem falávamos, a quem cantávamos e que já estava rodeado de mimo e amor. Deitada, penaste dores que jamais sentiras, numa curta infindável hora de violenta adaptação do corpo hospedeiro para o corpo parteiro. Foste então anestesiada e escondeste dos nervos as dores das contracções que indicavam ao João a saída. E esperaste. E esperamos.

Cinco minutos! Em apenas cinco minutos apresentaste o Mundo ao João, o João ao Mundo, o João aos Pais e os Pais ao João. Rápido e eterno, emociante e sereno, tranquilamente arrebator! Tudo parecia normal naquele momento singular onde a Vida tem um rosto, uma voz, um choro assustado pela luz, pelo frio, pelas vozes que já não vêm de longe! Vimos o começo das nossas novas vidas ali mesmo, ainda meio toldados pela adrenalina e emoção. O João voltou para ti, não dentro mas para cima de ti, sentindo a tua pele, o teu cheiro, o teu amor, talvez do avesso para ele, mas do lado certo para nós - hoje, quando relembro esse instante primordial, recordo olhar para ti e ficar confortado com a felicidade e tranquilidade que emanavas, alheada das dúvidas e medos de outrora, perdida no cansaço e alegria de tudo ter terminado e começado. Senti esse mesmo fim e esse começo, num despertar incontrolável de paternidade e de servidão para com o nosso filho e para contigo. Talvez pela primeira vez na minha vida, a Vida fazia sentido, tinha um motivo, estava certa. Depois de choros e preparos o João voltou para ti, para o abraçares e beijares, para lhe disseres "sou a tua mãe!".

(...)

Hoje, cinco meses depois, somos Pai e Mãe de corpo e alma, gozando a sorte e o previlégio de partilharmos as nossa vidas (a nossa vida) com o João e de o ver, saudável e feliz, crescer e sorrir todos os dias.

Hoje, um ano depois, peço-te em casamento, ainda mais apaixonado. Quero-te mais do que nunca nesta vida a dois, a três, na família que orgulhasamente chamo minha.

Hoje, três anos depois, sonho em construir a nossa casa, em morar contigo, em ter-te ao meu lado, dia e noite.

Hoje, sete anos e meio depois, convido-te para jantares comigo, confiando no instinto que me guiou até ti!

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